quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ainda sobre 2009: O novo de Otto


Certa manhã acordei de sonhos intranquilos é o título do mais novo trabalho do cantor/compositor pernambucano Otto, lançado no ano passado, mas que não foi muito comentado.
Só fui descobrir o disco no começo deste ano e, desde então, não consigo mais parar de ouvi-lo.
O motivo é simples: Otto conseguiu colocar o coração em cada música das 10 faixas que gravou, num trabalho intenso, às vezes em tom confessional, com vários momentos melancólicos, mas que também traz uma esperança resguardada.
Dizem que para um artista conceber uma obra intensa, tem de estar passando por alguma dificuldade ou sofrimento. Talvez essa idéia retrate bem como o término de seu relacionamento amoroso com a atriz Alessandra Negrini o tenha inspirado a criar aquele que já pode ser considerado o melhor álbum de sua carreira.
Cuidadoso com a produção e muito bem relacionado, ele recrutou um time de peso, com Fernando Catatau (Cidadão Instigado) na guitarra, Pupilo e Dengue (Nação Zumbi) na bateria e baixo e ainda contou com as participações especialíssimas da cantora Céu, Lirinha (Cordel do Fogo Encantado) e da mexicana Julieta Venegas.
Já na primeira faixa, "Crua", há um belíssimo arranjo de cordas, em que Otto canta versos dilacerantes, que transbordam emoção: “Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua, tua pele é crua.../...Dificilmente se arranca a lembrança, por isso na primeira vez dói”.
O dueto com a cantora Céu, que empresta sua voz suave em "O leite", também é um dos grandes momentos do disco. Se no início as vozes parecem desencontradas, propositalmente, depois elas se entrelaçam e se alternam, criando um clima denso, para uma composição que trata sobre as amarguras de um relacionamento que chega a seu fim.
Vale destacar também a sensacional "6 minutos", numa interpretação capaz de sensibilizar até o mais bruto dos marmanjos, cantada com uma forte carga emocional, como há muito não se via na música brasileira. Certamente, uma das melhores músicas do ano, quiçá da década.
Mas nem tudo é dor em Certa manhã... Há também a reverência e devoção à Iemanjá em "Janaína", com toques de música regional nordestina. Em "Meu mundo", ele experimenta efeitos eletrônicos, deixando o ritmo propício para as pistas, enquanto que a participação de Lirinha declamando seus versos, conferem um tom profético à música.
Sem medo de soar piegas, Otto ainda se arrisca na regravação de uma canção, que ganha contornos brega, com aquele órgão tipicamente jovenguardiano, no melhor estilo Lafayette Coelho (que tocou com Roberto Carlos): "Naquela Mesa" de Sérgio Bittencourt (imortalizada na voz de Nelson Gonçalves) sobre um filho que canta a tristeza da perda do pai e a saudades que aparece nas pequenas coisas, como num lugar vazio na mesa.
Talvez pelo momento que estou passando, com o falecimento recente de meu pai, essa canção tenha batido forte. E é aí que reside a força do brega...Na empatia que o artista tem com o povão, ao cantar as dores e as alegrias, atingindo de maneira direta e certeira o sentimento das pessoas.
E é com essa canção, é que eu deixo uma homenagem a meu velho querido, na certeza de que ele iria gostar muito dessa versão.

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